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quinta-feira, 26 de abril de 2012

POLÍCIA JUDICIÁRIA: PERSECUÇÃO PENAL, DEFESA E SIGILO

POLÍCIA JUDICIÁRIA: PERSECUÇÃO PENAL, DEFESA E SIGILO

*Antonio José Franco de Souza Pêcego



A Polícia Judiciária tem a função precípua de apurar as infrações penais e a sua autoria por meio do inquérito policial, procedimento administrativo com característica inquisitiva, que serve, em regra, de base à pretensão punitiva do Estado formulada pelo Ministério Público, titular da ação penal pública (art. 129, I, da CF).

A persecução penal normalmente se inicia por intermédio da investigação criminal, com o Estado coletando elementos para o exercício do jus puniendi em juízo, motivo pelo qual sendo o inquérito policial peça procedimental de suma importância para o Estado, devidamente regulado pelo Código de Processo Penal, embora prescindível, não é ele mera peça de informação como a doutrina e a jurisprudência praticamente pacífica o denominam (1), mas sim peça de informação de alta relevância que lida com o sagrado direito à liberdade, que sendo bem conduzida, certamente propiciará uma maior possibilidade de sucesso no exercício do direito de punir do Estado-Administração e de justiça na fixação da pena pelo Estado-Juiz, ao analisar as circunstâncias judiciais (art. 59, do CP).

Em sendo o inquérito policial um procedimento inquisitivo, não há de se falar na aplicação nesta fase das garantias do contraditório e da ampla defesa, destinadas a instrução processual, pois só aí existe acusação e defesa, no caso, a partir do recebimento da denúncia, já que, em se tratando de investigação criminal ou inquérito policial, só se fala em suspeito ou indiciado (2), não abrangendo essas garantias constitucionais o inquérito policial, que se caracteriza por um conjunto de atos praticados por autoridade administrativa, não configuradores de um processo administrativo.(3)

Assim, o texto constitucional ao assegurar ao preso a assistência de um advogado, não exige a sua presença aos atos procedimentais, nem que a autoridade policial deva obrigatoriamente constituir um para acompanhar o seu interrogatório (art. 6º, V, c/c art. 185 e ss, do CPP), mais sim que, constitucionalmente lhe é assegurado ser assistido por um advogado de sua livre nomeação (4), o que é coerente, haja vista, como acima já dito, que em inquérito policial não existe contraditório e ampla defesa, a serem exercidos somente em processo judicial ou administrativo (art. 5º, LV, da CF).

Por outro lado, a presença do advogado, embora prescindível no inquérito policial, é recomendável diante da possibilidade de falta de justa causa para a sua instauração contra o investigado, da possibilidade de pleitear diligências, do pedido de liberdade provisória, de relaxamento de prisão em flagrante, assim como de inibir qualquer desvio de conduta que possa ocorrer por parte do agente policial do Estado através de habeas corpus ou representação à Corregedoria de Polícia.

Assim, pode-se falar em defesa no inquérito policial em sentido amplo, mas não em ampla defesa, atuando o advogado para assegurar a observância dos direitos e garantias individuais previstos na Constituição da República.

Quanto ao sigilo da investigação, é ele da essência do inquérito. Não guardá-lo é muita vez fornecer armas e recursos ao delinqüente, para frustrar a atuação da autoridade, na apuração do crime e da autoria (5).

Destarte, apesar do disposto no art. 20 do CPP, entendo que com o advento do Estatuto da OAB (art. 89, XV, da Lei 4215/63, atualmente art. 7º, XIV, da Lei 8906/94), lei federal de âmbito nacional, a aplicação do sigilo nos inquéritos policiais ficou restringida, mitigando a discricionariedade do Delegado de Polícia (art. 14, do CPP) na condução do procedimento, mas não a anulando, de forma que, nas investigações em que o sigilo seja imprescindível para a apuração da infração e sua autoria, ou exigível no interesse da sociedade, deve a autoridade policial representar fundamentadamente à autoridade judiciária competente para que o princípio da publicidade seja restringido, com vistas ao MP por ser o destinatário final da informatio delicti.

Tal procedimento é coerente com a característica inquisitiva do inquérito policial em que não se exerce defesa propriamente dita, vetando a possibilidade de conhecimento prévio da diligência a ser empreendida oportunamente (mandado de busca e apreensão, de prisão temporária, preventiva), que poderia ver-se frustrada em decorrência de uma possível atuação precoce e ágil do advogado do suspeito ou indiciado.

Admitir que não pode mais existir o sigilo na investigação criminal nos termos da legislação processual penal após o preceituado no EOAB, é entender equivocadamente que se aplica ao inquérito policial as garantias do contraditório e da ampla defesa ou de que o art. 20 do CPP teria sido revogado pelo EOAB, o que vai de encontro à característica inquisitiva do inquérito policial que não admite a bilateralidade da audiência e à lógica da investigação criminal.

Com efeito, é sabido que, em regra, as investigações criminais devem ser realizadas sigilosamente para se alcançar o sucesso na apuração do fato delituoso, conduta essa que garante o respeito ao direito à intimidade e ao princípio da presunção de inocência do investigado, motivo pelo qual, excepcionalmente, o sigilo poderá ser decretado judicialmente quando necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

Portanto, com a devida vênia, em que pesem os judiciosos argumentos apresentados em contrário, não coaduno com dos autores que defendem a aplicação da ampla defesa aos inquéritos policiais (6) e condenam o posicionamento jurídico do Promotor de Justiça Marcelo Batloni Mendroni.

É certo que, em tese, não sou contrário à idéia da aplicação da ampla defesa na fase policial, diante da certeza de que o inquérito policial - o patinho feio da persecução penal - sairia fortalecido como meio de prova, a prestação jurisdicional seria mais célere sem a necessidade de sua repetição na fase judicial, e até mesmo a autoridade policial ficaria mais prestigiada perante o mundo jurídico, se incluída no contexto, mas para tal, necessário se faz alterar profundamente a legislação processual penal e concomitantemente repensar o modelo de polícia judiciária (repressiva) e de justiça criminal que se quer para o novo milênio.

A tese defendida pelo Promotor de Justiça Marcelo Mendroni, juridicamente muito bem colocada (7), é aceitável, embora não coadune in totum com o seu posicionamento perante o ordenamento jurídico pátrio.

Entendo que a melhor exegese dos dispositivos do art. 7º, XIV, da Lei 8906/94 (EOAB) e do art. 20 do CPP, não deve ser tão ampliativa ou restritiva como querem alguns autores citados, sendo viável nas hipóteses disciplinadas na legislação processual penal que o sigilo, como inicialmente defendido, seja decretado judicialmente na investigação, atendendo representação da autoridade policial competente - auxiliar do juízo -, o que impossibilitaria o acompanhamento por parte do advogado dos atos procedimentais essenciais à investigação criminal, aplicando-se por analogia o disposto no art. 7º, XIII a XV, § 1º, da Lei 8.906/94(8).

Qualquer entendimento em contrário certamente contribuirá para que a investigação criminal se torne uma falácia, que ao longo do tempo vem gradativamente sendo inviabilizada, comprometendo o exercício do jus puniendi do Estado por não se permitir a colheita célere dos elementos necessários à propositura da ação penal (ex.: derrogação do art. 241, do CPP, pelo art. 5º, XI, da CF), prestigiando o delinqüente em detrimento do Estado que se movimenta em prol da sociedade, do bem-estar da coletividade ou seja, fomentar a certeza de uma possível impunidade em decorrência de mecanismos burocráticos que virão retardar a prestação jurisdicional, em nome de uma suposta e contraditória falta de credibilidade dos agentes públicos que atuam em nome do próprio Estado-Administração.


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NOTAS

(1) STF-2ª Turma, HC-74198/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 06.12.1996, PP-48711 EMENT VOL - 01853-03 PP-00561; STF-1ª Turma, HC-73730/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 14.06.1996, PP-21076 EMENT VOL - 01832-02 PP-00561; STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Pedro Acioli, DJU de 18.04.1994, pg. 8525; JTACrimSP, 70/319; Capez, Fernando. Curso de Processo Penal, ed. Saraiva, 4ª ed., 1999, p. 71; Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 1, ed. Saraiva, 12ª ed., 1990, p. 181; Mirabete, Julio Fabbrini. Processo Penal, ed. Atlas, 3ª ed., 1994, p. 79;

(2) Tourinho Filho, Fernando da Costa. idem, ob. cit., p. 184; Pedroso, Fernando de Almeida. Processo Penal - O Direito de Defesa: Repercussão, Amplitude e Limites, ed. Forense, 1ª ed., 1986, p. 43 e 44;

(3) Fernandes, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional, ed. RT, 1999, p. 59;

(4) Capez, Fernando. Curso de Processo Penal, ed. Saraiva, 4ª ed., 1999, p. 81;

(5) Noronha, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, ed. Saraiva, 17ª ed., 1986, p. 22;

(6) In Boletim IBCCrim nº 84 - novembro/1999;

(7) In Boletim IBCCrim nº 83 - outubro/1999;

(8) Nesse sentido: Capez, Fernando. idem ob. cit., p. 69.

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*Antonio José Franco de Souza Pêcego - juiz de Direito em Minas Gerais

Fonte: Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1045



A FORÇA PROBANTE DOS INDÍCIOS

A FORÇA PROBANTE DOS INDÍCIOS

*Arnaldo Siqueira de Lima


Não raras as vezes que o indício é confundido com a presunção. Autores renomados tratam um pelo outro, e, ainda, algumas vezes como se fossem a mesma coisa. Nicola Dei Malatesta, em sua primorosa obra, ‘‘A Lógica das Provas em Matéria Criminal’’, Bookseller, 1996, p. 195, critica, com veemência, os seguidores dessa teoria: ‘‘Os próprios defensores desta corrente, já o dissemos, quando em face de algumas presunções verdadeiras, não sabem adaptar-se a chamá-las indícios; (...) A opinião de identidade entre presunção e indício não se funda, pois, em nenhuma convicção lógica e deve, por isso, ser rejeitada.’’

Realmente, não se pode confundir presunção com indício, pois este é prova elencada no Título VII do Código de Processo Penal pátrio, art. 239, vazado nos seguintes termos: ‘‘Considera-se indício a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.’’ Aquela, ao seu turno, não foi recepcionada pelo legislador como prova, em que pese, na prática, ser de vital importância na persecução penal, em homenagem ao princípio da verdade real, adotado pela legislação processual em vigor.

São inúmeras as vezes que nascem as provas de meras presunções e conjecturas, como, por exemplo, a busca domiciliar que leva à arma do crime oriunda da presunção de que o dono da casa, sendo inimigo da vítima, poderia ter-lhe tirado a vida, mas nem por isso podem elas ser chamadas de indícios. Estes não podem nascer do nada, devem ser originários de circunstâncias conhecidas e provadas, como bem diz o texto legal. O autor decerto esteve no local do delito, mas não basta esta circunstância, deve haver a prova de fato de que ele esteve lá, como por exemplo, o testemunho de alguém que o viu saindo logo após seu cometimento, ou, ainda, a colheita de suas impressões digitais no local do crime.

Mas qual é o poder efetivo de convencimento dos indícios? Depende, como todas as outras provas, do conjunto probante analisado, vez que nosso direito, adotando o princípio do livre convencimento, não hierarquizou o valor de nenhuma prova, como traz certo a exposição de motivos do CPP em vigor: ‘‘Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra.’’ Nesse diapasão, mesmo as provas diretas e plenas são analisadas no conjunto, e não se sobrepõem às outras.

Uma coisa é certa, mesmo com o argumento esposado na exposição de motivos supracitada, a prova indiciária pode influir no convencimento do magistrado, o que tange à autoria do fato, mas não pode ter a mesma força com referência à materialidade. É o que se observa no art. 312 do CPP, que trata dos requisitos para o decreto da prisão preventiva: ‘‘...prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.’’ Veja que o legislador ao tratar do assunto diferenciou provas de indícios para o decreto da constrição cautelar, senão poderia ter dito: provas da existência do crime e da autoria, ou ainda, indícios suficientes da autoria e do crime.

Não quis o legislador ordinário permitir que a materialidade fosse provada por silogismo, ao contrário da autoria que pode sê-la, desde que forte o suficiente a convencer o julgador. Se o quisesse, não falaria no mesmo texto em provas e indícios. Não cabe aí a interpretação extensiva, porquanto tratar-se de norma que restringe a liberdade, mesmo cônscio de que, para o decreto de prisão preventiva, caso exista dúvida, a decisão milita em favor da sociedade. Todavia, extrai-se do texto que, com referência à materialidade, não pode haver dúvida, é necessário ‘‘prova da existência do crime’’.

Não poderia ser diferente.

Imagine alguém que desaparece quando estava em companhia de outrem, que sabidamente tinha razões para dar cabo de sua vida. O sumiço por si só, sem a localização do corpo e sem testemunhas do assassinato, não autoriza a conclusão de que o desaparecido tenha sido morto e que aquele que o acompanhava seja o autor do homicídio. Até porque, numa hipótese como esta, poderia haver uma simulação para beneficiar alguém ou a eles próprios. Fator este que torna real a importância de se ter prova indiscutível da existência do crime. Preocupação que teve o legislador de 1941 e que é encampada pela jurisprudência, o que dificulta, se não torna impossível, a condenação de alguém por crime de homicídio sem que o cadáver seja encontrado, mesmo havendo indícios veementes de ter o suspeito matado, e a doutrina vislumbrar a possibilidade de condenação de alguém por crime de morte sem localização de cadáver, apresentando o exemplo tão repetido do sujeito que mata em alto-mar e atira o corpo aos tubarões, entre outros.

Mesmo nessa hipótese, há que haver o exame de corpo delito, via indireta. Ou seja, deve ter presenciado o crime, pelo menos, uma testemunha. Não suprindo a falta de testemunho a confissão do autor, no preceito do art. 158 do CPP: ‘‘Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-la a confissão do acusado.’’ (Atente-se para o fato de que a confissão é prova no nosso direito, e mesmo assim não serve, isoladamente, como prova de materialidade, dada a preocupação da certeza absoluta quanto à existência do delito).

É possível concluir que o indício, verdadeiramente, é prova indireta, pois exige raciocínio e interpretação para ligar a circunstância observada ao fato probante; que tendo o legislador abandonado o sistema da certeza legal, pode ele dar base a uma condenação caso seja verossímil a ponto de convencer o julgador da autoria do fato. Entretanto, o mesmo raciocínio não pode ser levado no sentido da materialidade, posto que o mesmo legislador ao se referir a corpo de delito deu um plus. Como visto no caso da prisão preventiva, onde difere prova de indício e no exame nas infrações que deixam vestígios, recusando a prova indireta da confissão.

*Arnaldo Siqueira de Lima - Delegado de Polícia Civil (PCDF) e Professor da Universidade Católica de Brasília (Extraído do site do jornal Correio Braziliense)

Fonte: http://www.neofito.com.br/artigos/art01/penal83.htm