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quinta-feira, 26 de julho de 2012

NARCOTRÁFICO: Um crime que tem a conivência da vítima


O NARCOTRÁFICO


Um crime que tem a conivência da vítima

O País não exercia qualquer controle estatal sobre as drogas até o início do século XX. Na República Velha eram toleradas e usadas em prostíbulos frequentados por jovens das classes média e alta. Só em 1911, na reunião de Haia, o Brasil se comprometeu em controlar o uso de ópio e cocaína.

A primeira lei antidrogas do Brasil é de 1921. A maconha foi proibida em 1930 e em 1933 ocorreram as primeiras prisões, no Rio. A utilização só era permitida por recomendações médicas.

Desde então as leis têm evoluído com menos velocidade do que o avanço do tráfico que está instalado tanto nas pequenas como nas grandes cidades.

A realidade de hoje é o narcotráfico internacional, o que assombra a sociedade paraense.

A ARANHA DO PÓ
De 1992 a 1999 o Estado do Pará despontava como o maior ponto de passagem de cocaína, na Amazônia Brasileira, estando envolvidos no empreendimento políticos, policiais e membros da elite. Além de Belém muitos municípios apareciam na rota dos narcotraficantes internacionais, com destaque para Abaetetuba e Ilha do Marajó.

Naquele período foi apreendida grande quantidade da matéria-prima no Estado. A operação policial mais espetacular ocorreu em abril de 1993 quando a Polícia apreendeu 631 quilos de cocaína na Ilha do Marajó, além de efetivar a prisão dos traficantes envolvidos.

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, no artigo “A Aranha do Pó” escrito em 1995 (Jornal Pessoal Nº 128), afirma que “…os elos paraenses da rede colombiana não parecem adotar os modelos de Calli e Medellin. Em todos os casos em que foi bem sucedida até agora, a polícia contou com a desunião e a falta do mínimo de organização dos parceiros paraenses desse crescente comércio, que fez do Pará o ponto número um de passagem de cocaína pelo Brasil, transformado num componente relevante do comércio internacional”.

Até o ano de 1999 um juiz, para proferir decisão relativa ao tráfico ilícito de entorpecentes, ainda que tivesse a Dogmática Jurídica como base de certeza lógico-formal para proferir a sentença, necessitava dos fatos precisos apurados pela polícia. Mas a Polícia não estava aparelhada para apurar o tráfico internacional. Uma rede de narcotraficantes começou a atuar no Estado do Pará, aparentemente interligada com o Cartel de Calli, da Colômbia.

Nos anos posteriores a capital paraense passou a enfrentar grandes quadrilhas de narcotraficantes.  Em 2005, por exemplo, um advogado e empresário de Belém, Manoel Pedro Costa, foi preso pela PF, numa operação internacional, conjunta com o DEA dos Estados Unidos e as polícias européias. Através da “Operação Colibra” eles apreenderam uma embarcação com duas toneladas de cocaína.

É neste sentido que o tráfico internacional de entorpecentes vem se expandindo no Estado do Pará, tornando a questão um problema de difícil solução, tanto para as instituições policial e judiciária.

A ESCALADA DO CRIME

Em 2008 o Estado do Pará vai ocupar a 8ª posição no ranking nacional de apreensões da droga com o maior volume de cocaína confiscado nos últimos quatro anos. Quase três toneladas, naquele ano, equivalente a 30 milhões de dólares.  Mas isso era muito pouco porque cada quilo de cocaína poderia render até nove vezes o seu peso, devido à mistura com várias substâncias. Além disso, ninguém saberia ao certo o percentual que essas apreensões representavam na totalidade do pó que circulava no Pará.

Àquela altura os traficantes já estavam pagando até R$ 2 mil para as “mulas” – pessoas que levam drogas para os traficantes – pelo transporte de 12 quilos de pó. 

As “mulas” são, em geral, pessoas pobres e desempregadas. Não é por acaso que a Terra Firme e a Cabanagem despontaram com a maior incidência do tráfico de pequeno porte.  Miseráveis, vivendo em condições subumanas, as populações de ambos os bairros também se tornaram conhecidos pela violência nas ruas. Sensível é a relação do tráfico com o fomento à criminalidade em geral.

Segundo comentário que fez o promotor Sérgio Tibúrcio, àquela época, como hoje, o tráfico está por trás de 80% dos crimes contra o patrimônio (roubos, assaltos) e até dos crimes contra a vida: os traficantes têm poderes de vida e morte sobre as “mulas”.

A partir da constatação desta realidade as autoridades deflagraram uma guerra sem trégua contra o narcotráfico.

Em 2009 houve uma varredura em todo o Estado com mais de 1.100 prisões. Deste total 622 aconteceram no interior – um aumento de 45% em relação a todo o ano de 2010. O sistema penal passou a se ressentir, ainda mais, da superlotação.

Em janeiro de 2010 os números da Polícia Metropolitana mostraram que, na Região de Belém, esta atividade ilícita ganhava proporções de uma guerra civil. O tráfico matava mais do que doenças crônicas.

A Polícia tomou por base procedimentos das 13 seccionais urbanas, de janeiro a novembro de 2009 e comparou com 2008. Os procedimentos aumentaram muito nas seccionais dos bairros, principalmente na Sacramenta com 28 procedimentos em 2008 contra 80 em 2009. Na Cremação os números dobraram: de 34 em 2008 para 78 em 2009. Houve aumento alarmante na Marambaia: 51 casos em 2008 e 98 em 2009. O que chamou mais atenção na estatística foi o aumento de 300% na em Icoaraci com 63 autuações em 2008 e 163 em 2009.

PENA DE MORTE

Desta realidade surge um fenômeno mais assombroso: dos 1.064 homicídios registrados pelo SISP entre janeiro e novembro de 2009, a maioria absoluta está consignada ao tráfico, em Belém. É o chamado “acerto de contas”, no qual 90% dos autores não são identificados.

Passou a vigorar a “Lei do Silêncio” de possíveis testemunhas.

Naquela oportunidade um policial, que não quer ser identificado, falou para a imprensa que no crime de “acerto de contas” os seus autores sabem que “vão impunes” devido à falta de investigação em cada crime.

A Secretaria de Segurança se defende da pressão criando a Delegacia de Homicídios com dois delegados e cinco investigadores, número é insuficiente para conter a demanda. Somente no período de Natal daquele ano de 2008, em 24 horas, houve 19 homicídios dos quais 12 considerados de “acerto de contas”.

Para a Polícia “por trás” desses homicídios está o tráfico: morre o viciado que não paga a droga e até o pequeno traficante que tenta “dar o traço”, ou seja, não prestar contas com o traficante maior.

Este fato e outros mais recentes contribuíram para que a ONU considere que nosso país esteja vivendo uma grande epidemia de violência.

O Brasil ocupa o sexto lugar no ranking mundial da violência. De cada 100 homicídios apenas 8 são devidamente apurados quanto à autoria e circunstâncias do crime. Essa é a estimativa de Julio Jacobo Waiselfisz, que é coordenador da pesquisa Mapas da Violência 2011, divulgada pelo Ministério da Justiça (O Globo de 09.05.11, p. 3). São quase 30 homicídios (média nacional) por 100 mil habitantes. Acima de 10 a ONU considera como epidemia.

Um dos primeiros filtros da impunidade reside precisamente na investigação do crime. A polícia do Pará, assim como toda a polícia brasileira, não conta com boa infraestrutura. Grande parte dos policiais está desmotivada. Na polícia existe muita corrupção. A polícia técnica está sucateada. Faltam policiais e auxiliares.

AS BELDADES DO PÓ

Em fevereiro de 2011 a Polícia começa a trabalhar com uma nova realidade: mulheres são seduzidas para o tráfico. O tráfico de drogas passa a ser o principal crime cometido pelas mulheres, no Pará, na capital e no interior. Das 608 presas no Estado 51% são acusadas de tráfico de drogas e de tráfico internacional de entorpecente.

Uma realidade paralela: 16% da população carcerária feminina é reincidente. E, deste total, 61% recaem no mesmo crime.
Segundo o delegado Hennison José Jacob Azevedo, da Divisão de Repressão ao Crime Organizado, os dados são bem maiores porque o tráfico no varejo popularizou as “bocas de fumo”. Só não houve mais prisões em 2010 porque as investigações não foram bem sucedidas, explica o delegado.

As mulheres entram para o mundo do tráfico pelo lucro fácil e pela falta de emprego. Estão nesta senda moças formadas, mas desempregadas, de boa aparência e jovens. Também traficam por má influência dos companheiros e quando estes são presos, elas assumem o comércio de drogas.

As mulheres também são usadas por chamar menos atenção. Emblemática foi a prisão de Andréa Vilhena, que ficou conhecida como a “Bela do Pó”: detida em setembro de 2009, no Aeroporto de Val-de-Cães, portava três quilos de cocaína pura. A droga estava enrolada no corpo, como se fosse cinta de correção de postura. Isto desencadeou a “Operação Carandiru” com a prisão de mais oito traficantes.

A Polícia informa que as mulheres cuidam mais da logística, depositando o dinheiro, fazendo a cobrança, funcionado como “mulas”. No Pará apenas duas associações de traficantes eram comandadas por mulheres: uma por Carla Suely Damasceno e outra pela peruana Euza Justina, presas pela DRE.

GUERRA DESIGUAL

Assaltantes e traficantes agem de forma paralela. Muitos estão largando os assaltos e roubos, por serem mais arriscados e menos rentáveis, para se dedicar ao narcotráfico.  Um chefe de traficantes preso recentemente já havia sido assaltante de bancos.
Aí é quando a guerra contra essas quadrilhas passa a ser desigual, porque as polícias federal e estadual estão em posição inferior, em relação a essas quadrilhas, em geral ricas, poderosas, fortemente armadas, equipadas e bem articuladas.

Na Polícia Federal, conta um agente para o jornal, há seis anos já havia uma necessidade de 22 mil policiais para o país inteiro e ainda hoje esse efetivo é de apenas 12 mil homens.

A Polícia Civil do Pará há seis anos ganhou armas e veículos, mas persiste o fato de a Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) ser apenas isso, uma “delegacia”, mas em possuía o status de “divisão”.

ROTA DO NARCOTRÁFICO

O delegado Décio Moura, da PF, diz que 99% da droga que entra no Pará vem pela via fluvial. Ele traça a rota: sai de Letícia, na Colômbia, para Tabatinga, e desce pelo rio Amazonas, passando por Manaus e Santarém, entre outras cidades, até chegar em Belém, que é o principal mercado consumidor do estado. Parte desse pó segue para Goiás, via Palmas, no Tocantins.

Outro delegado, Eduardo Passos, diz que “hoje, o principal corredor de drogas do Norte do Brasil é o rio Amazonas. Belém é a principal capital entre a Colômbia e a Região Norte.  Belém é a porta de saída da Região Norte, para o tráfico de drogas”.

Devido ao alto preço o cloridrato de cocaína, a droga mais “pura”, não fica no Pará, vai para a Europa. Aqui ficam os derivados mais pobres como o crack.  A violência produzida pelo narcotráfico que atinge Marituba é disseminada num área territorial que inclui Abaetetuba, Santarém, Breves e Monte Alegre. 

Para os agentes da PF a lavagem de dinheiro no Estado está associada à droga. A abertura de uma empresa e a realização de negócios objetiva, apenas, legalizar o dinheiro do narcotráfico.  Geralmente isto envolve o setor madeireiro, o comércio de mariscos e automóveis. No mercado imobiliário o truque é comprar imóveis na planta e “revende-los” a terceiros.

Na cidade de Belém já existe até uma “prestação de serviço”, o táxi-delivery, com taxistas ligados ao crime que apanham droga na periferia para entregá-la nos condomínios – serviço  também realizado por “moto-boys”. Constatou-se essa prática principalmente em Icoaraci, Ananindeua e cidades do interior.

A DROGA MAIS CONSUMIDA

O estapafúrdio aumento do crime de tráfico de drogas tem sido ilustrado pela grande atuação da Polícia. Temos colecionado casos extraídos do PACrimes (http://pacrimes.blog.com) e eles nos indicam que, em relação a outros crimes, tem momento em que o de tráfico atinge 88% das ocorrências. Também se verificou um grande aumento de pessoas condenadas e aprisionadas pelo cometimento do crime de tráfico de entorpecentes.

No Brasil a droga mais consumida é o álcool. O segundo lugar é ocupado pelo crack, na sequência está a maconha e depois a cocaína. O crack está presente em 98,7% das cidades do país. Mas a pasta de cocaína é droga mais consumida no Pará.

A pasta da cocaína, o substrato mais barato e sujo da folha da coca, tornou-se a droga mais consumida no Pará desde o ano passado. O volume de apreensões, o único dado oficial sobre a quantidade de drogas em circulação, revela que a pasta tomou o lugar da maconha, como o principal entorpecente traficado e consumido nas cidades paraenses, desde 2009.

Foram apreendidos, em 2009, 339 quilos de cocaína em forma de pasta ou pronta para ser transformada nela no Pará. A maconha, que por muito tempo foi o entorpecente mais apreendido no Pará, fechou 2009 com pouco mais de 130 quilos recolhidos. Mais volumosas foram as apreensões de pés de maconha: 200 mil pés, a maioria no Nordeste do Estado.

O delegado Henison Jacob Azevedo, da DRE, afirma que a pasta ganhou o mercado porque é mais lucrativa. Um quilo da pedra de óxi, que pode ser transformado em nove e até dez quilos de pasta, rende R$ 18 mil em Belém e pode ser comprada, na fonte, por até U$ 10 mil. Mas o quilo da maconha não passa de uns R$ 200.

No ano passado as maiores apreensões de cocaína foram da pasta da cocaína, mais do que maconha e cloridrato. A pasta era apreendida antes de ser beneficiada e misturada a outras substâncias para formar a pedra de óxi. Estas seriam “emboladas” em pequenas petecas e vendidas entre R$5 e R$ 15 nas “bocas de fumo”.

QUÍMICA MALDITA

A pasta resulta da mistura de um dos refugos das etapas iniciais da transformação da folha da coca no cloridrato da cocaína. O processo químico é realizado no local onde a folha da coca é plantada. Esta que vem para o Pará ganha a forma de pasta nas florestas da Colômbia e do Peru.

A folha da coca é prensada e misturada a solventes e reagentes químicos. Estes potencializam o efeito entorpecente no organismo humano. O processo artesanal resulta no cloridrato e em sobras aproveitadas para a fabricação de drogas baratas.

Os rejeitos ou sobras da segunda precipitação pela concentração de solvente orgânico formam a pasta de cocaína“, explica o professor Rosivaldo dos Santos Borges, do Núcleo de Estudos e Seleção de Biomoléculas da Amazônia e coordenador do Laboratório de Química Farmacêutica da UFPA.

Um vídeo na internet mostra as etapas de fabricação da droga no local onde é plantada e os “ingredientes” da mistura vendida nas “bocas”: Folhas da coca são lavadas e esmigalhadas com os pés por crianças. Misturam-se cimento, soda cáustica, amônia, gasolina e acido sulfúrico. Esta “sopa” escura é filtrada numa lona e passa a ter a cor amarelada depois de misturada com ainda mais amoníaco. O resultado é o sulfato de cocaína. O sulfato dá origem à pasta base da cocaína que, refinada, pode ser transformada no cloridrato. O mesmo processo resulta no formato petrificado da pedra de óxi.

Substâncias químicas usadas na ‘aditivação da pasta’, como o ácido das baterias, a barrilha e o querosene, são preparadas para uso geral e uso externo, não para uso interno”, diz o professor Rosivaldo “Os efeitos dessas substâncias no organismo vão da irritação local, com sangramentos e flebites, até possíveis danos hepáticos por derivados originados do metabolismo de hidrocarbonetos, como o querosene”.

O crack é o substrato da coca que, como o óxi, também tem formato petrificado. È uma sobra da produção do sal da cocaína. Tanto a pasta quanto o crack possuem valor de venda bem inferior ao produto principal.

DELITO DE CONIVÊNCIA

Esse panorama demonstra a extensão e a complexidade do problema que tende a destruir a sociedade. Está demonstrado que a política atual, de tendência repressiva, não consegue cumprir o papel de refrear e reduzir o consumo da droga. Vamos ter que elaborar outras estratégias.

Quais?

Diante da realidade mundial, que não é diferente da nossa, agora mesmo a Europa já começa a pensar em descriminalizar o tráfico entre adultos.

A política de redução de danos, praticada na Europa, pode ser um bom modelo para nós?

Há muito que se defende a tese de que o usuário não é problema policial. Mas muitos são presos em flagrante e autuados como traficante. Isso aumenta as estatísticas, só não reduziu o problema.

Os traficantes estão proliferando, mesmo diante do interesse da sociedade em combatê-los, porque é muito difícil lutar contra um delito que conta com a conivência da vítima.

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